O Registro Clínico Computadorizado: Funções e Vantagens

Jaime de O. Ilha


Núcleo de Informática Biomédica da Universidade Estadual de Campinas
Email:ilha@turing.unicamp.br

Revista Informédica, 1(7): 5-10, 1994.


No número 3 de Informédica iniciamos uma série de artigos sobre o emprego de registros clínicos computadorizados no ambiente hospitalar. A utilização destes registros é uma tendência encontrada já há alguns anos no exterior. Ela provém da conscientização da crescente complexidade da prática clínica, onde não é mais suficiente empregar o computador apenas no tratamento de questões administrativas, caso se deseje garantir a qualidade de atendimento. No artigo, foi enfatizado que, sendo a medicina uma atividade fundamentalmente baseada na manipulação de informações, o avanço da qualidade de atendimento passava a depender da própria informatização do prontuário clínico e da manipulação de sua "versão computadorizada" diretamente pelo médico, como provedor e usuário das informações. A falta de apoio à atividade clínica e a conseqüente inexistência de alívio à carga de trabalho, aliado à falta de amigabilidade da maioria dos sistemas hospitalares até hoje existentes, são as principais razões para que o médico não lance mão desta tecnologia.

Ao se tentar produzir algo de real valor clínico para os médicos, há, no entanto, muitos outros obstáculos a serem transpostos. No artigo publicado no número 5 de Informédica foram mencionados diversos problemas relativos a padronização de intercomunicação entre equipamentos, do "look & feel" das aplicações e, até, da própria terminologia médica.

Neste artigo, pretendemos discutir os problemas relacionados a interação do médico para com o computador, principalmente quanto as características e funções que um registro clínico computadorizado (em inglês, Computerized Patient Record, ou CPR) deve possuir para que efetivamente venha a ser utilizado pelos profissionais da área de saúde.


O médico e o computador

Que vantagem teria o médico em "perder ainda mais tempo" com um computador? Este é certamente o questionamento que a maioria dos potenciais beneficiários se fazem ao se depararem com a possibilidade de ter de interagir com estas "máquinas". A maioria provavelmente é capaz de imaginar as vantagens que tal interação traria ao hospital, tais como:

Por outro lado, poucos se dão conta das vantagens pessoais que tal interação traria. Este desco-nhecimento não é "privilégio" ou responsabilidade dos médicos, pois os próprios administradores ou "informatas" responsáveis pela confecção e implantação de sistemas hospitalares não são capazes de avaliar as necessidades ou benefícios do ponto de vista médico e incluí-los nos seus sistemas computadorizados.

É evidente que todos os sistemas administrativos dependem das informações provenientes dos profissio-nais de saúde, pois, afinal, são eles que realizam a grande maioria dos contatos com os pacientes, razão da existência da instituição como um todo. Se a interação direta destes profissionais é benéfica para o hospital, nada mais justo do que verificar o que seria necessário dar em troca para cativá-lo a aceitar esta interação.

A comunicação do médico para com o hospital se faz (ou deveria ser feita) através do registro clínico do paciente que é, ou, da mesma maneira, deveria ser, a fonte central de informação a partir da qual seriam derivados todos os demais procedimentos do hospital. Por conseguinte, a interação do médico com esta "ferramenta" seria suficiente para prover o hospital das informações necessárias. As vantagens de interação podem se originar da realização de tarefas tão simples, do ponto de vista computacional, como preenchimento automático de prescrições (renovações), até tarefas mais complexas como auxílio à decisão. Sem dúvida, qualquer destes benefícios se tornariam inúteis caso o registro clínico computadorizado não apresentasse uma interface adequada, pois a dificuldade de interação é o segundo fator limitante no envolvimento do médico.


Funções do registro clínico

Primeiramente, é necessário avaliarmos quais são as funções de um registro clínico a fim de que verifiquemos onde a computação poderia atuar de maneira decisiva para a melhoria de qualidade deste e promoção da interação dos médicos.

O registro clínico tem como principais objetivos:

  1. auxiliar o tratamento dos pacientes - como instrumento onde todas as informações coletadas são depositadas, o registro clínico serve sobretudo como base para a formação de opinião sobre o(s) problema(s) de saúde do paciente, bem como para o registro do planejamento clínico a ser implementado e o seguimento do resultado destas ações. Ele pode, ainda, ser considerado como o instrumento de comunicação entre os diferentes membros da equipe médica que tratam do paciente, bem como mecanismo de memória, visando garantir a continuidade de tratamento do paciente durante a hospitalização e entre diferentes hospitalizações ou consultas ambulatoriais, bem como possibilitando avaliar o curso das doenças ao longo da vida do paciente;
  2. servir como base para as ações administrativas e avaliação de desempenho - o registro clínico é a fonte para realização de todos os procedimentos administrativos e financeiros, tais como cobrança das contas dos pacientes ou das instituições de saúde, avaliação do desempenho da equipe, verificação do grau de qualidade do atendimento prestado (média de dias de internação, incidência de infecção hospitalar, etc...) ;
  3. servir como fonte de informações para a pesquisa médica - os estudos retrospectivos para detecção de efeitos colaterais de medicamentos, avaliação do sucesso de novas terapias, etc... só podem ser feitos com base nas informações colhidas dos pacientes ;
  4. servir como documento legal de registro da atuação médica - embora não seja uma utilização tão enfatizada a nível nacional, sempre houve preocupação com este aspecto que não é só garantia do paciente como do próprio médico ou dos demais profissionais de saúde envolvidos.

    Se até certo ponto o registro manual é capaz de desempenhar de maneira razoável as funções relativas ao atendimento do paciente em si, muito difícil tem sido sua utilização com o objetivo de dar suporte à avaliação do desempenho das instituições ou mesmo aquisição de novos conhecimentos médicos, pois estas tarefas envolvem a manipulação de todo o conjunto de registros existentes, o que só é factível de maneira automatizada.

    Avaliando a nível individual, é também possível identificar algumas fraquezas, pois "as informações do paciente precisam estar disponíveis quando e onde necessárias", o que muitas vezes não é possível com o registro manual. Duas pessoas só poderão acessar as mesmas informações ao mesmo tempo e em lu-gares diferentes caso estejam disponíveis através de meio eletrônico. Da mesma maneira, resultados de e-xames complementares só estariam prontamente disponíveis para a utilização pelos médicos nas enfermarias caso se utilizasse um sistema computadorizado.

    Na literatura podem ser encontradas referências sobre quais são os tipos de dados que os médicos consideram primordiais para a prática médica do dia-a-dia. Entre eles estão a Lista de Problemas, quer sejam sintomas, sinais, dados laboratoriais anormais, estados fisiopatológicos, diagnósticos ou problemas psico-sociais; resultado de testes e exames complementares, terapia em curso e parâmetros da atividade do paciente (sinais vitais, atividade física, ingesta, perdas), bem como o resumo da última hospitalização ocorrida. O computador certamente é util como meio de comunicação entre os diferentes setores que produzem estes dados e como ferramenta para a organização destas informações. Todavia, isto não é suficiente para que o médico encare o computador como uma ferramenta de aumento de produtividade, passível de motivá-lo a interagir no dia-a-dia. É necessário que o computador seja "suficientemente inteligente para executar automaticamente as tarefas de natureza mecânica, comportando-se como auxiliar direto do médico no suporte a suas atividades clínicas, sem com isto impor uma demanda especial para seu aprendizado ou interação". Em última análise o computador passaria a ser olhado com vantagem caso assumisse o papel do "braço-direito" do médico.

    Veremos a seguir como isto, do ponto de vista prático, pode ser pelo menos parcialmente alcançado com a tecnologia existente.


    Vantagens do Registro Computadorizado

    É, de certa maneira, até fácil enumerar exemplos que demonstrem a clara vantagem do computador em relação a utilização das informações constantes no registro clínico por parte do médico. No entanto, não devemos esquecer o duplo papel do médico como provedor e usuário das informações. Garantir a sua interação direta para com o computador está, mais, na dependência de o auxiliarmos na primeira parte (aquisição de dados). Obviamente a segunda também desperta grande interesse, já que está intimamente ligada ao processo hipotético-dedutivo empregado no raciocínio clínico e planejamento terapêutico, a função nobre da atividade médica. A melhoria da qualidade de atendimento depende do auxílio do computador neste sentido.


    Aquisição de Dados

    A primeira regra é simples: automatize a aquisição de dados do maior número de informações possíveis, evitando que o médico tenha de perder tempo com esta tarefa. Entre as informações que se enquadram nesta categoria estão o resultado de exames complementares e monitoração dos sinais, pois a maior parte dos equipamentos atualmente utilizados dispõem de saída digital permitindo sua integração com os sistemas computadorizados do hospital.

    Um segundo exemplo em que o computador pode auxiliar é na aquisição de dados que são, na realidade, derivados de outros dados existentes no registro clínico. Todos os cálculos com a finalidade de produzir novas informações devem ser realizados pelo computador.

    No que tange à padronização da coleta de informações, o computador é um ótimo mecanismo para forçar o cumprimento de padrões de coleta de dados, lembrando ao médico que informações são consideradas relevantes para o hospital. Assim cada especialidade poderia definir quais os seus dados mínimos, inclusive com base em diferentes quadros clínicos, permitindo que o computador alertasse o médico sobre a falta da coleta de uma informação essencial. Isto pode se desdobrar até no preenchimento automático do pedido de um exame complementar, faltando apenas a aquiescência do médico para que a ordem seja encaminhada.

    Uma maneira prática de fazer com que o computador auxilie na entrada padronizada de dados seria apresentar em sua tela as principais alternativas para que o médico caracterizasse os sinais e sintomas observados (ver Figuras 1 e 2).


    Fig. 1 - Tela típica de entrada padronizada de dados através de seleção (sistema ILIAD).


    O médico necessitaria "simplesmente" assinalar as informações pertinentes. Infelizmente, uma análise mais cuidadosa desta abordagem logo demonstra que esta tarefa não é tão "simples" assim. Mesmo sem considerar todo o trabalho prévio de catalogação dos sintomas e seus atributos (intensidade, localização, duração, etc...), o próprio trabalho de assinalar as opções poderia, com o decorrer do tempo, se tornar cansativo. Em que pese, também, já o grande ganho no controle da qualidade e abrangência das informações colhidas, seria, na realidade, necessário um procedimento mais inteligente para auxiliar a execução desta tarefa. Quando você, médico, apresenta um caso ao seu colega, refere primeiramente que o quadro do paciente é compatível com a doença, sindrome ou estado fisiopatológico "x", o que permite que seu colega logo tenha uma noção do problema. Depois você acrescenta as peculiaridades ou diferenças em relação ao caso típico. O computador facilitaria em muito a entrada de dados caso, a partir de poucas informações iniciais, apresentasse o quadro típico para que o médico apenas tivesse o trabalho de modificar o necessário. Assim, por exemplo, a descrição de uma enxaqueca seria bem mais simples do que ter de caracterizar todos os detalhes da dor.

    Fig. 2 - Tela típica de entrada padronizada de dados através de entrada livre numérica (sistema ILIAD).


    Para que a situação acima possa ocorrer, é necessário dotar o computador de uma grande carga de conhecimento relativo às doenças. Este trabalho já está sendo feito nos mais renomados centros de pesquisa em informática médica do mundo, a título experimental. Contudo, a palavra final em termos de facilidade de fornecimento de informações só atingirá seu climax quando o reconhecimento da voz humana pelo computador for uma realidade. Vale dizer que este dia não está tão longe quanto possa parecer.

    Além disto, é também função do registro clínico documentar o raciocínio envolvido na determinação de um certo plano terapêutico. Um exemplo claro desta situação é a documentação de qual(is) o(s) problema(s) ou diagnóstico(s) relacionado(s) com a prescrição de um determinado medicamento. A realidade do dia-a-dia é que, em muitos casos, este relacionamento é de certa maneira óbvio; em outros, no entanto, apesar de obscuros, simplesmente não são documentados. Dotar o computador do conhecimento sobre o mecanismo de ação das drogas e conseqüente correlação com os estados fisio-patólogicos é outro aspecto que também tem sido explorado, permitindo assim a documentação automática deste tipo de raciocínio ou, até, servindo para alertar o médico quanto a efeitos colaterais inicialmente não notados.

    Como pudemos observar, o tratamento de informações cujo conteúdo é bem estruturado (resultado de exames laboratoriais, por exemplo) já tem desfrutado de soluções que agilizam de maneira eficiente a coleta de dados. As informações não estruturadas (anamnese, por exemplo) são alvo das pesquisas atuais, estando não só na dependência de grandes esforços no sentido de dotar os sistemas de registro clínico computadorizados de uma enorme bagagem de conhecimento (inteligência), como também de avanços tecnológicos a nível de hardware (reco-nhecimento de voz).


    Utilização dos dados

    A informatização do registro clínico traz como primeira vantagem a apresentação limpa (datilografada) e organizada da informação. Este benefício é decorrente do próprio processo de análise da instituição, como passo anterior à informatização. Todavia, estes ganhos, em termos de apresentação da informação, são importantes e não deixam de ser lembrados pelos médicos como condição ou benefício básico para a utilização de registros clínicos computadorizados.

    No entanto, ao considerarmos que é fundamental a interação direta do médico com o registro clínico computadorizado, visando um aumento da qualidade de atendimento, vários outros detalhes são necessários para tornar o computador suficientemente inteligente e, por conseguinte, desejado pelos médicos como ferramenta de trabalho no dia-a-dia.

    Como "braço-direito", o computador tem de se tornar um parceiro ativo no processo de atendimento ao paciente, ou seja, um banco de dados capaz de reagir ao seu próprio conteúdo e não simplesmente um repositório em que, se o médico não atentar para as informações, nada de útil poderá obter. Vários meca-nismos tem sido utilizados neste sentido já ao longo dos últimos 20 anos. A maioria destas técnicas é extremamente útil como mecanismo de suporte à decisão. Apresentamos abaixo alguns exemplos sobre as possibilidades neste campo:

    Lembretes automáticos - A característica básica que dá vida ao registro clínico computadorizado é a capacidade de executar automaticamente certos procedimentos com base nas informações que são armazenadas em seu banco de dados. Esta técnica, conhecida com o nome de triggering (gatilho) é algo até bastante conhecido ao nível de alguns dos bancos de dados relacionais comercialmente disponíveis. Sucintamente falando, especifica-se que, caso ocorra uma determinada condição, o computador deverá executar um determinado procedimento. Exemplo: todo o paciente com diagnóstico de hipertensão e que não tenha realizado uma consulta no último ano, deve ser convocado para comparecer ao hospital (a condição dispara um processo que gera a carta de convocação). No campo da medicina, foram inclusive criadas linguagens específicas para este fim como a MQL (Medical Query Language) do COSTAR (Computer Stored Ambulatory Register) e CARE do RMRS (Regenstrief Medical Record System).

    Está embutido neste conceito o termo quality assurance, ou seja, o papel de lembrar ao médico quanto a uma série de providências ou até pistas diagnósticas ou de solicitação de exames com base em regras prestabelecidas ao nível da instituição. O sistema ideal deve ser suficientemente flexível para suportar regras introduzidas por diferentes níveis da organização, iniciando pelas regras embutidas em um pacote, provenientes do conhecimento médico geral, passando por regras do hospital, especialidade, enfermaria, até regras do próprio médico ou restritas ao paciente em questão. Note-se que isto pode envolver desde a lembrança de que se trata de uma doença de notificação compulsória (regra governamental) até lembretes específicos do que porventura tenha ficado combinado de detalhar com o paciente em sua próxima visita.

    O emprego desta técnica também abre a possibilidade de não se ter de coletar todos os dados do paciente em uma única visita, dando assim maior flexibilidade ao médico. O computador, como instrumento capaz de ajudar a lembrar quanto a falta de dados importantes, garantiria, assim, o trabalho do médico.

    Valoração das informações e capacidade de síntese - A possibilidade de grifar um resultado de exame laboratorial como anormal é um dos exemplos mais simples que demonstram a importância deste tipo de capacidade. Saber que informações são importantes e assim ressaltá-las para guiar o raciocínio clínico é uma atividade extremamente complexa. O valor de uma informação normalmente depende do contexto em que ela se enquadra (dos demais parâmetros) e também de sua localização na dimensão temporal (infarto há 10 anos é bem menos significativo do que na última semana). Contudo, esta capacidade resulta em extrema vantagem para o médico, quando empregada para gerar informações em um nível de abstração mais elevado, ou seja, a capacidade de sintetizar a informação. Um exemplo clássico deste tipo de capacidade é o apresentado pelo sistema ARAMIS onde, a partir do resultado de exames laboratoriais, sinais e sintomas, o computador é capaz de indicar quando se trata de uma glomerulonefrite, síndrome nefrótica, insuficiência renal, etc... A capacidade de síntese e/ou identificação das informações mais relevantes pode também ser utilizada com grande vantagem para a produção automática de "resumos de alta", por exemplo.

    Outra exigência que se enquadra neste tipo de raciocínio é a propriedade de um sistema de não "poluir" a mente do médico com informações em demasia. A organização da informação em subconjuntos, começando por um nível mais global de informação, onde o médico possa se informar dos detalhes na medida que achar necessário, é sem dúvida altamente desejada. Para esta tarefa, além do que já foi descrito, passa a ser de grande valor o conceito de hipertexto, como mecanismo de apresentação de informações em diferentes níveis de detalhes. A exploração desta técnica pode ir ainda mais longe, permitindo que o médico "navegue" pelas informações através da "associação de idéias". Assim, considerando um ambiente gráfico e o uso de mouse, o médico poderia acionar o mouse sob um certo diagnóstico e ver maiores deta-lhes sobre ele (data do diagnóstico inicial e detalhes da evolução) ou, mesmo, ver recuperadas as evidências que suportam o diagnóstico em questão (exames, sinais, sintomas, etc..). Obviamente, as ligações entre os diferentes conjuntos de informações tem de ser estabelecidos, na sua grande parte, pelo computador, a fim de não sobrecarregar o médico com mais trabalho. Novamente aí se comprova a grande quantidade de conhecimento que um sistema deste tipo teria de possuir.

    Capacidade explicativaTambém é sabido que, por mais brilhante que um sistema de registro clínico computadorizado possa ser, ele só gozará de aceitação se, além de suas conclusões, possuir os meios necessários para explicar como chegou a elas, dando segurança ao médico de que ele tem o domínio do caso. Esta característica é tipicamente encontrada no que é conhecido como "sistemas especialistas". Por exemplo, ao indicar ao médico que o paciente deve realizar um determinado exame complementar, deve(m) também ser apresentada(s) a(s) regra(s) utilizada(s) para chegar a esta conclusão e, inclusive, nos casos pertinentes, a(s) referência(s) na literatura que deu(ram) origem a tal(is) regra(s).

    A capacidade explicativa pode (e deve) ser explorada ao extremo, justamente para permitir que o médico se sinta seguro com a operação do sistema. Por exemplo, ao encerrar o registro do atendimento, o computador deveria resumir para o médico tudo o que foi modificado (novos diagnósticos, solicitações de exames, prescrições) para que este confirmasse que corresponde a sua intenção. Poderia também incluir que, na próxima consulta, ele (sistema) vai lembrar sobre alguma situação em especial solicitada pelo próprio médico, etc...

    Vale também ressalvar que tudo o que é em excesso faz mal. O sistema tem de ser capaz de, no início, dar o maior número de explicações, mas, na medida em que note maior proficiência e confiança por parte do médico na interação, reduzir o "grau de intervenção" a um nível aceitável. Esta capacidade de se "adaptar" ao modo de agir de cada médico em particular é outro campo extremamente vasto com a possibilidade de aplicação de novas técnicas como é o caso das redes neurais artificiais.

    Além das características citadas acima, torna-se interessante para o "estreitamento das relações para com o computador" a possibilidade de permitir que o médico compare o resultado do tratamento de seus pacientes com o resultado de casos semelhantes manejados por outros colegas dentro do hospital ou mesmo da literatura. Por conseguinte, a ligação com outros bancos de dados é de extrema utilidade, pois o médico não teria outra forma de acessar rapidamente o "conhecimento médico" existente na literatura que não através da interação direta via computador. A utilização de recursos gráficos mostrando as tendências ou padrões apresentados neste tipo de comparação, como também para comparação de qualquer outro parâmetro evolutivo do paciente, é mais um detalhe que pesa favoravelmente no sentido de uma maior interação do médico para com o computador.


    Aspectos técnicos

    Como pode ser observado, a criação de uma ferramenta com o grau de inteligência mencionado acima é certamente algo de extrema complexidade. Se, por um lado, já existem exemplos quanto a alguns dos aspectos citados, a reunião das partes em um conjunto uniforme é algo que ainda está por ocorrer.

    Muitos outros aspectos de natureza técnica até agora não citados são necessários para que se consiga chegar a um resultado final. Entre eles estão:

    O paradigma das linguagens de programação ou bancos de dados orientados a objeto são úteis para resolução de parte destes problemas, mas certamente ainda restam questões a serem exploradas.

    Do ponto de vista de hardware, os avanços tecnológicos dos últimos anos já permitem, pelo menos, ter a certeza de que é só uma questão de tempo para que tenhamos em mãos as ferramentas necessárias para fazer frente a esta gama de necessidades. No próximo artigo desta série abordaremos o estado da arte a nível tecnológico e quais são as limitações a serem ultrapassadas.

    Se o hardware é uma questão de 2 ou 3 anos, o software provavelmente ainda demorará o restante da década.


    Referências

    1. Ball, M. J & Collen, M. F. Eds. Aspects of the Computer-based Patient Record, Springer-Verlag, New York, 1992, 316pp.
    2. Gardner, R. M. et alii. Computer-based ICU data acquisition as an aid to clinical decision-making. Critical Care Medicine, 1982, 110:8823-30
    3. Ilha, J. O. Análise e caracterização lógica de um sistema de informação para apoio ao acompanhamento clínico de pacientes segundo o paradigma das linguagens de programação orientadas a objeto. Dissertação Mestrado, UFRGS - PGCC, 1987, 231pp.
    4. Ilha, J. O. Hypertext and the object oriented paradigm: combining concepts for a better medical record. IN: Reichert, A. et alii Eds, International Congress of the European Federation for Medical Informatics, 11th, Proceedings, Jerusalem, 18-22 April 1993, Freund Publishing House, London, 1993, p. 712-716.
    5. Shortliffe, E. H. & Perreault, L. E. Medical Informatics: Computer Applications in Health Care. Addison-Wesley, Reading, 1990, 715pp.

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