Interfaces para o Deficiente Visual

José Oscar Fontanini de Carvalho


Instituto de Inform´atica da Pontificia Universidade Católica de Campinas

Revista Informédica, 1(1): 5-11, 1993.


Existe uma área de interesse na Informática denominada Interação Homem-Computador (IHC), que estuda o relacionamento entre o ser humano e o computador (o termo homem, no caso, é usado aqui no seu sentido mais amplo). Esta área, entre muitas outras coisas, estuda os problemas de IHC referentes aos deficientes físicos e mentais. Esta é uma área de aplicação com características bem abrangentes, envolvendo conhecimentos multidisciplinares. Este artigo procura apresentar, sob a ótica da IHC, os tipos de sistemas de interação homem-computador destinados aos deficientes visuais (DV) disponíveis no mercado internacional e fomentar a difusão de tais sistemas na comunidade relacionada direta ou indiretamente aos DVs.

Já existe, por exemplo, uma preocupação por parte dos fabricantes de fazer as modificações necessárias em sistemas de IHC, para aumentar a acessibilidade de tais produtos aos deficientes. Além de quase não onerar o custo final dos mesmos, estes produtos passariam a ser acessíveis por uma número maior de pessoas. Outra vantagem é que as adaptações para as pessoas DVs, que tornam o software mais fácil de ser visualizado na tela, também o tornam mais fácil, eficiente, rápido e livre de erros, ao ser usado por indivíduos sem deficiências visuais. Outro fator de grande peso é o fato do Instituto Nacional de Pesquisa em Reabilitação e Deficiências (ligado ao governo dos EUA), ter recebido determinação de desenvolver referenciais para a aquisição de computadores e outros equipamentos eletrônicos de escritório, de modo a assegurar que tais equipamentos sejam acessíveis aos funcionários públicos deficientes. Assim, no início dos anos 80, podia se contar em ambas as mãos o número de dispositivos de alta tecnologia para cegos. Hoje somente no Centro Nacional para os Cegos, nos Estados Unidos da América, estão disponíveis dezenas de dispositivos diferentes para que os DVs tenham acesso a informações, a maior parte desenvolvida nos últimos cinco anos. Um dos fatores que também contribuiu para este avanço foi o fato de, nos últimos anos, ter aumentado o envolvimento de DVs no campo da tecnologia.

No Brasil a conseqüência disto tudo é imediata, devido ao grande uso de hardware e software adquiridos dos EUA, ou que tentam ser compatíveis com eles. Temos feito muito pouco no campo da tecnologia para acesso aos computadores por DVs, porém com a abertura do mercado nacional para a importação de tais produtos, os DVs brasileiros terão maiores e melhores condições de acesso a eles (embora com certas restrições de custo, manutenção e idiomas, entre outras), uma vez que a maioria deles nem sequer tem conhecimento da existência dos mesmos.


Tipos de Sistemas para DVs

O conceito de sistema de interação DV-computador tem um sentido bem amplo, envolvendo hardware, software ou outros tipos de equipamentos. Diversos fatores fazem com que exista atualmente uma quantidade grande e diversificada de sistemas. Primeiramente, devido ao caráter muitas vezes particular de cada usuário DV, freqüentemente são desenvolvidos ou adaptados sistemas de maneira personalizado, com características quase que artesanais. Em segundo lugar, as pesquisas nesta área estão em fase praticamente inicial, com abordagens e enfoques muito variados no desenvolvimento de produtos. Somando-se a isto tudo, existe uma total falta de padronização entre os fabricantes de tais sistemas. Esse é um fator importante, uma vez que é necessário um grande esforço por parte dos DVs para se adaptar a um determinado tipo de sistema. Quando isto acontece, aumenta a probabilidade de que ele queira utilizar um sistema similar em outro ambiente (empresa ou escola, por exemplo).

Pode-se classificar os sistemas de interação DV-computador em três tipos principais: os sistemas amplificadores de telas, os sistemas de saída de voz e os sistemas de saída em braille. Além destes, existem outras tecnologias, menos importantes no que diz respeito à sua adoção pelos usuários DV de computadores, que são as tecnologias de reconhecimento de voz, os "scanners" e os amplificadores de imagens.


Sistemas Amplificadores de Telas

Em alguns casos de visão subnormal, uma pequena ampliação da saída do computador já resolve o problema. Isto pode ser conseguido simplesmente pela substituição do monitor de vídeo normal por outro de maior tamanho. Quando isto não é suficiente, pode-se obter a ampliação da saída de vídeo de duas maneiras. A primeira delas é por meio da conexão de um processador com caracteres maiores do que o normal, baseado em hardware. Este sistema utiliza um cartão de vídeo especial, um monitor de vídeo maior para aumentar o tamanho da fonte e um "joystick" ou "mouse" para deslocar o cursor através da tela. A segunda maneira é utilizar um pacote de software que irá aumentar o tamanho do que aparecer na tela. Este sistema irá oferecer letras e gráficos maiores sem qualquer hardware adicional.


Sistemas de Saída de Voz

Os sistemas de saída de voz são compostos por um sintetizador de voz, um alto-falante externo e um software para acessar o texto. Estes equipamentos são muito eficientes e pouco onerosos, estando disponíveis em grande variedade no mercado internacional. O sintetizador de voz é geralmente uma placa que pode ser inserida internamente no computador ou então um dispositivo externo, ligado ao computador através da porta serial ou paralela. O software acessa o texto armazenado no computador e o envia ao sintetizador de voz, efetuando um processo padronizado de conversão, denominado TSC (Text-to-Speech Conversion). Tais softwares geralmente capturam os dados diretamente da memória de vídeo, o que os torna bastante genéricos, podendo trabalhar com muitos tipos programas aplicativos diferentes, com exceção daqueles que funcionam em ambiente GUI (Graphical User Interface, como Windows), devido ao fato de não haver um local na tela onde se possa garantir que o texto seja localizado. Quando isso acontece, há a necessidade da utilização de um sistema de reconhecimento de caracteres para acesso ao texto. Os objetos (ícones), na tela são interpretados por sons característicos, denominados de "earcons" (ícones auditivos). Já existem softwares leitores de tela para este ambiente, disponíveis no mercado internacional. Existem, também, processadores de textos especialmente projetados para trabalhar com um sintetizadores de voz. Tais sistemas podem proporcionar um ambiente facilmente utilizável pelos DVs, porém podem não ser compatíveis com outros software que se tornarão necessários, principalmente se o usuário trabalha em grupo, com outras pessoas que não são DVs e se utilizam de outros software.


Sistemas de Saída em Braille

Os sistemas de saída em braille são menos utilizados que os dois sistemas anteriormente apresentados. São divididos em dois grupos: o de impressoras e o de terminais de acesso em braille. As impressoras braille seguem o mesmo conceito das impressoras de impacto comuns e podem ser ligadas ao computador através das portas paralelas ou seriais. Elas são eficientes na elaboração de relatórios, mas não são apropriadas para funcionar como dispositivos de acesso independentes para operação de computadores. Já existe no mercado uma impressora que imprime simultaneamente caracteres braille e comuns em linhas paralelas, de modo a facilitar a comunicação dos Dvs com seus colegas de trabalho não deficientes. Os terminais de acesso em braille foram criados para fornecerem uma janela móvel, codificada em braille, que pode ser deslocada sobre o texto na tela do computador. O alfabeto braille é composto de caracteres que possuem 6 pontos de código cada em formato matricial de duas colunas por três linhas. O terminal de acesso em braille consiste de uma linha formada por vinte a oitenta células braille (cada célula representando um caracter), com 6 solenóides por célula (cada solenóide representando um ponto de código). Ao se pressionar uma tecla do teclado comum do computador ou na atualização da tela do seu vídeo, ativa-se os solenóides do terminal de acesso braille. O sistema pode ser programado para distinguir grifos, selecionar atributos do vídeo e mostrar a posição do cursor na tela, em terminais mais avançados, compostos por mais uma linha de dois pontos de código em cada célula, que passam a fornecer tais referências. Os terminais de acesso em braille geralmente são encaixados a um teclado comum de computador, podendo ser manipulados como se fossem uma linha a mais de teclas na parte superior ou inferior do teclado.


Sistemas de Reconhecimento de Voz

Enquanto os sistemas sintetizadores de voz estão bem desenvolvidos, os sistemas de reconhecimento de voz estão em um estado tecnológico muito mais primitivo. Eles permitem evitar o uso do teclado, e podem ser treinados para reconhecer centenas de comandos de um usuário em particular, mas geralmente falham, se necessitam receber comandos de mais de um usuário. Quando são ajustados para reconhecer múltiplos usuários, o número de comandos que passam a "entender" com segurança é uma fração daqueles disponíveis para o reconhecimento de um usuário específico. O reconhecimento de voz, como uma forma eficaz de comandos de entrada para computadores ainda não é economicamente viável, porém os trabalhos adicionais nesta área de pesquisa certamente irão abrir maiores possibilidades de auxílio adaptativo para os DVs.


Sistemas de "Scanner"

A conversão de textos impressos, para fins de saída em voz ou braille, exige que seja usado um sistema denominado OCR (Optical Character Recognition), que consta de um `scanner" e de um software próprio. O custo de um OCR (hardware e software) vem caindo sensivelmente a partir dos últimos cinco anos. Entretanto, a confiabilidade da tradução dos textos impressos para o meio eletrônico é muito variável, devido a fatores como tamanho, estilo, contraste, e espaçamento entre os caracteres impressos na fonte. Nos melhores casos, existe a probabilidade de aparecerem palavras com caracteres interpretados erroneamente (um a dois por cento). Parte destes pode ser detectada com o auxílio de software corretores de texto. Os "scanner" manuais trabalham melhor com gráficos e são menos indicados no uso de textos para OCR, caso em que os "scanner" fixos (ou de página) são mais apropriados, pelo fato de tornarem mais fácil o alinhamento das linhas do texto em relação ao aparelho. O software de OCR opera sobre o arquivo de imagem adquirido pelo "scanner", processo este que requer uma memória significativa para a imagem coletada. Existem também microprocessadores dedicados para essa finalidade


Sistemas Amplificadores de Imagens

Outros dispositivos amplificadores de imagem disponíveis aos usuários com visão subnormal, são os sistemas de circuito fechado de televisão (CCTV) que permitem a execução de tarefas guiadas visualmente, que seriam impossíveis ou improdutivas de serem executadas de outra forma. Alguns destes dispositivos podem ser interconectados com um microcomputador para obtenção de imagens da tela do mesmo. Existe uma variante de tais dispositivos que é portátil, porém deve ser levado em conta que a sua utilização mantêm uma das mãos ocupadas todo o tempo.


Conclusões

Além dos equipamentos aqui apresentados, e dependendo do grau de deficiência visual do usuário, algumas pequenas adaptações podem ser feitas no computador que podem torná-lo acessível, com um custo mínimo, como é o caso da substituição das capas das teclas dos teclados comuns por capas com alfabeto braille, ou pela utilização de rótulos com letras grandes colados sobre as mesmas. Outro tipo de auxílio pode ser conseguido através do acesso às impressoras que permitem a impressão de tipos de vários tamanhos, que podem ser lidos por usuários com visão subnormal.

Os sistemas amplificadores de telas parecem ser os mais indicados para os usuário com visão subnormal, não tendo a menor utilidade para os usuários cegos. Mesmo assim em alguns casos de visão subnormal muito acentuados, este tipo de sistema se torna inútil. Porém se for indicado, permite fácil acesso às interfaces do tipo GUI e compatibilidade com o ambiente de trabalho, no que diz respeito aos colegas de equipe e outros sistemas aplicativos.

Os sistemas de saída em braille são geralmente os de custo mais elevado e são indicados apenas aos deficientes que consigam interpretar o alfabeto braille. Estes usuários geralmente são os totalmente cegos ou aqueles com visão subnormal muito acentuada. Tais sistemas, após um bom treinamento, oferecem aos seus usuários uma sensação de manipulação direta e amplo domínio sobre o aplicativo, fazendo com que prefiram este tipo de sistema, após uso intenso, do que qualquer outro. Entretanto, como não são compartilhados pelos colegas sem deficiências visuais, este fato pode contribuir, ainda mais, para o isolamento do usuário DV.

Os sistemas de saída de voz, como já foi dito, são os mais difundidos, fato que ocorre devido, em parte, ao seu baixo custo em relação aos outros sistemas e, em parte, por poderem ser acessados por usuários com qualquer tipo de deficiência visual. Um sistema deste tipo, de boa qualidade, pode também ser compartilhado por indivíduos que não possuem deficiências, sem grande esforço, fato importante quando se trabalha em grupo. Uma combinação dos sistemas de saída em braille e reconhecimento de voz aumenta ainda mais a sensação de manipulação direta e domínio sobre o aplicativo, nos casos dos usuários com deficiência visual severa, porém, deve-se levar em consideração o alto custo de tal combinação.

Concluindo, é importante que se verifique as características do usuário, juntamente com as do ambiente onde irá atuar (hardware, software, tipo de aplicação e social), para que se possa optar pelo sistema mais adequado. Existem boas perspectivas de futuro no campo tecnológico, principalmente com o avanço das interfaces que poderão se comunicar através da voz (tanto na entrada como na saída dos dados). Kurzweil (1994) afirma que nos próximos 10 a 15 anos a tecnologia irá superar a desvantagem associada aos deficientes visuais, auditivos e outros.

No nosso país, a preocupação da comunidade com respeito aos problemas até aqui colocados, ainda é muito pequena, devido aos outros problemas infinitamente maiores pelos quais passa a sua população, porém há a necessidade de um esforço muito maior do que o que tem sido feito, para permitir o acesso dos DVs aos computadores, a exemplo de outros países. Infelizmente, isso não acontece ainda, sendo que a maioria dos DVs não têm, sequer, informações a respeito do que está disponível no mercado. Os próprios profissionais da área de informática com deficiências visuais, somente mais recentemente têm começado a ter acesso a informações sobre tais produtos. A simples divulgação de tais problemas e possíveis soluções, como a divulgação dos tipos de produtos encontrados no mercado, suas aplicações e sugestões que possam servir como referenciais, tanto para fabricantes como para usuários de tais equipamentos, já pode trazer uma pequena colaboração, no sentido de minimizar a dificuldade de acesso aos computadores pelos DVs.


Referências Bibliográficas

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