Enrico W. CoieraDesde os primeiros momentos da história da computação, os cientistas têm sonhado com idéia de criar um "cérebro eletrônico". Entre todas as pesquisas tecnológicas modernas, esta busca por sistemas computacionais artificialmente inteligentes tem sido uma das mais ambiciosas, e não surpreendentemente, controvertidas. Mas os médicos também foram cativados desde cedo pelo potencial que tal tecnologia poderia ter para a Medicina. Com computadores inteligentes capazes de armazenar e processar vastos repositórios de conhecimento, a esperança é que eles poderiam se tornar "médicos artificiais", ajudando, e até ultrapassando, os profissionais clínicos na realização de diagnósticos. Com tais motivações, uma comunidade pequena mas talentosa de cientistas da computação e profissionais da saúde se dedicaram a dar forma a um programa de pesquisa em uma nova área chamada Inteligência Artificial em Medicina (IAM). Estes pesquisadores tinham uma visão ambiciosa da maneira como a IAM revolucionaria a medicina e avançaria as fronteiras da tecnologia. Inicialmente, o campo foi em grande parte baseado nos EUA. Os trabalhos pioneiros se deram em diversas universidades, tais como o MIT, a Tufts University, Pittsburgh, Stanford e Rutgers, liderados por pesquisadores como Peter Szolovits, Edward Shortliffe e Randolph Miller. O campo atraiu muitos dentre os melhores cientistas, e sua produtividade na primeira década de trabalho continua sendo até hoje uma notável realização.Os pesquisadores Clancey e Shortliffe, em uma revisão sobre o tema em 1984, deram a seguinte definição à IAM: "Inteligência Artificial médica se preocupa primariamente com a construção de programas de IA que realizam diagnósticos e fazem recomendações terapêuticas. Diferentemente das aplicações médicas baseadas em outros métodos de programação, tais como métodos puramente estatísticos e probabilísticos, os programas de IA em medicina são baseados em modelos simbólicos das entidades nosológicas e suas relações com os fatores ligados ao paciente e às manifestações clínicas".Muita coisa mudou desde então, e esta definição seria considerada hoje em dia como limitada, em abrangência e visão. Atualmente, a importância da diagnose como uma tarefa que requeira apoio computacional nas situações clínicas rotineiras têm recebido menos ênfase. No entanto, embora sejam o foco de muitas pesquisas no sentido de entender e apoiar o encontro clínico, os sistemas especialistas existentes atualmente provavelmente são mais usados no laboratório e em ambientes educacionais, para vigilância e alertas clínicos ou em áreas muito ricas em dados, como na medicina intensiva. Na época, entretanto, a visão captada por esta definição da IAM foi revolucionária. Após a primeira euforia que cercou a promessa de programas de apoio diagnóstico inteligentes, a última década tem testemunhado uma crescente desilusão entre as muitas relacionadas ao potencial prático desses sistemas; embora eles tenham comprovado sua confiabilidade e acurácia em diversas ocasiões. Muita da dificuldade reside na maneira inadequada com que os programas foram adaptados à prática clínica; seja para resolver problemas que não se considerava relevantes, seja ao impor mudanças na maneira com que os clínicos trabalham. O que não está sendo percebido é que quando eles preenchem um papel apropriado, os programas especialistas realmente oferecem benefícios significativos. Uma das tarefas mais importantes que os desenvolvedores de sistemas baseados na IA enfrentam hoje é caracterizar de forma acurada os aspectos da prática médica que são mais adequados para a introdução de sistemas inteligentes.Nesta série de dois artigos, extraídos e adaptados do capítulo 19 de nosso livro " Guide to Medical Informatics, the Internet and Telemedicine", focalizaremos as diferentes aplicações que os sistemas de IAM podem ter na prática clínica, examinando particularmente aqueles que tiveram um sucesso claramente identificado, bem como procurando ter uma visão do futuro. Em artigos posteriores na Revista "Informática Médica", adotaremos um foco mais tecnológico, tentando entender como são construídos sistemas inteligentes em medicina, utilizando uma variedade de técnicas, incluindo sistemas especialistas e redes neurais artificiais. |
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IA e Conhecimento MédicoO intelecto humano é formado por um conjunto complexo de fenômenos, e a Inteligência Artificial pode implementá-lo de duas maneiras muito diferentes. Os proponentes da chamada "IA forte" estão interessados em criar sistemas computacionais cujo comportamento seja, em um determinado nível, indistingüível do comportamento humano. Caso a a IA forte obtenha sucesso, isso resultará em "mentes computacionais" residindo em seres físicos autônomos, como robôs, ou talvez em mundos "virtuais", onde um espaço informacional é criado por algo como a Internet. Uma abordagem alternativa à IA forte é tentar entender a cognição humana e decidir como ela pode auxiliar em situações difíceis ou complexas. Esses sistemas de "IA fraca" não têm por objetivo a existência independente, mas sim a de serem uma espécie de "prótese cognitiva" que apoia os seres humanos em diversas tarefas. Os sistemas de IAM são em grande parte destinados a apoiar os profissionais de saúde no decorrer normal de seus deveres, auxiliando-os em tarefas que se baseiam na manipulação de dados e de conhecimentos. Um sistema de IA pode funcionar dentro de um sistema de registro eletrônico de dados médicos, por exemplo, e alertar o médico toda vez que o programa detectar uma contraindicação para um determinado tratamento planejado. Ele pode também alertar o médico quando detecta um padrão de dados clínicos que sugerem uma mudança significativa na condição de saúde do paciente. Juntamente com as tarefas que exigem o raciocínio usando conhecimento médico, os sistemas de IA também têm um papel diferente do anterior, no processo da pesquisa científica. Em particular, alguns sistemas de IA têm a capacidade de aprender, levando à descoberta de novos fenômenos a partir dos dados coletados em uma pesquisa, e a criação automática de conhecimento médico. Por exemplo, um computador pode ser usado para analizar grandes quantidades de dados, à procura de padrões complexos que sugiram associações inesperadas. Da mesma forma, com um modelo suficiente do conhecimento médico, um sistema de IA pode ser usado para mostrar como um novo conjunto de observações experimentais conflita com teorias existentes. |
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Raciocinando com o Conhecimento MédicoOs sistemas especialistas, ou baseados em conhecimento, são o tipo mais comum de sistemas de IAM em uso rotineiro na clínica. Eles contêm conhecimento médico, normalmente acerca de uma tarefa definida muito especificamente, e são capazes de raciocinar com dados de pacientes individuais e produzir conclusões racionais. Embora existam muitas variações, o conhecimento definido dentro de um sistema especialista é tipicamente representado na forma de um conjunto de regras.Existem vários tipos diferentes de tarefas clinicas aos quais os sistemas especialistas podem ser aplicados: Alertas e lembretes: em situações de tempo real, um sistema especialista conectado a um monitor pode avisar automaticamente os médicos sobre mudanças na condição do paciente. Em circunstâncias menos agudas, o programa pode examinar resultados de testes laboratoriais e prescrições de medicamentos, e enviar lembretes e avisos por meio do correio eletrônico. Auxílio ao diagnóstico: quando um caso é complexo, raro, ou a pessoa que está fazendo o diagnóstico é inexperiente, um sistema especialista pode ajudar a achar um diagnóstico mais provável e seguro, baseado nos dados do paciente. Crítica terapêutica: o programa pode checar inconsistências, erros e omissões em um plano existente de tratamento, ou pode ser usado para formular um tratamento baseado nas condições específicas de um paciente e nos consensos terapêuticos recomendados. Agentes de recuperação da informação: softwares denominados "agentes autônomos" podem ser enviados para busca e recuperar informação na Internet que seja considerada relevante para um determinado problema. O agente contém conhecimento sobre as preferências e necessidades do usuário e também precisa ter conhecimentos médicos de modo a avaliar a importância e utilidade do que ele acha. Reconhecimento e interpretação de imagens: muitas imagens médicas podem ser interpretadas automaticamente, desde as radiografias planas mais comuns, até as imagens mais complexas, como angiogramas, tomografias e ressonâncias magnéticas. Isso tem valor em triagens em massa, por exemplo, nas quais o programa pode indicar imagens que tenham anormalidades, chamando a atenção para exame detalhado pelo especialista. |
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Sistemas Diagnósticos e EducacionaisNas primeiras décadas da IAM, muitos sistemas foram desenvolvidos com o objetivo de auxiliar os médicos no diagnóstico de doenças, tipicamente com a intenção de serem utilizados durante um encontro clínico com um paciente. Muitos desses sistemas pioneiros não chegaram a sair dos laboratórios de pesquisa onde foram idealizados, em parte porque eles não receberam apoio suficiente dos clínicos para permitir seu uso na rotina. Claramente, a base psicológica para desenvolver esse tipo de apoio é considerada atualmente pouco encorajadora, dado que a avaliação geral do paciente parece ser um assunto mais importante do que a formulação do diagnóstico. Alguns desses sistemas continuaram a ser desenvolvidos, no entanto, e se transformaram em parte em sistemas educacionais.O sistema DXplain é um bom exemplo de um desses sistemas de apoio à decisão clínica, desenvolvido no Massachussetts General Hospital pelo grupo do Prof. Octo Barnett. Ele é usado para diagnóstico em medicina interna, a partir de um conjunto de achados clínicos, incluindo sinais, sintomas e dados laboratoriais. Produz uma lista de diagnósticos possíveis por ordem decrescente de importância e sugere investigações posteriores. O sistema contém uma base de probabilidades aproximadas para cerca de 4,5 mil manifestações associadas a 2 mil doenças diferentes.
Tela de diagnóstico da versão do DXplain na Internet O DXplain está em uso em vários hospitais e escolas médicas, principalmente para educação clínica, mas também para consultas médicas. Também assume o papel de um livro-texto eletrônico em medicina, pois correlaciona manifestações e doenças e também dá as referências bibliográficas relevantes; e está disponível através da InternetOs sistemas de apoio à decisão podem ser também integrados a um sistema de registro médico computadorizado. Essa integração realmente reduz as barreiras ao uso dos sistemas inteligentes, ao adaptá-los mais intimamente aos processos de trabalho clínico, ao invés de esperar que os médicos criem novos processos para poder usá-los. O sistema HELP é um bom exemplo deste tipo de sistema de informação hospitalar baseado no conhecimento, e foi desenvolvido em 1980 na Universidade de Utah. Ele não apenas apoia as aplicações de rotina de um sistema de informação hospitalar (SIH), incluindo o gerenciamento das admissões e altas, e das prescrições médicas, mas também inclui uma função de apoio à decisão, o qual foi incorporado às funções rotineiras do SIH. O sistema de apoio à decisão fornece alertas e lembretes aos clínicos, interpretação de dados e diagnóstico de doenças, sugestão de manejo de pacientes e protocolos clínicos. A ativação do apoio à decisão é feita a partir de cada aplicativo, mas também pode ser disparada automaticamente à medida que um conjunto de dados clínicos está sendo digitado no registro computadorizado do paciente. |
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Porque Não São Usados ?Existem muitas razões pelas quais mais sistemas especialistas não estejam sendo usados rotineiramente. Alguns exigem a existência prévia de um sistema de registro médico computadorizado para fornecer os dados, e muitas instituições ainda não têm seus dados disponíveis eletronicamente. Outros são prejudicados por um "design" pobre da interface entre o usuário e o computador, e deste modo nunca são usados, embora tenham benefícios.Muita da relutância em usar sistemas inteligentes se origina simplesmente do fato de que os sistemas especialistas não se adaptam facilmente ao processo de assistência médica, o que exige um esforço adicional por parte dos profissionais médicos, já bastante ocupados. É verdade, também, embora perigoso admitir isso, que ela é devida a uma "tecnofobia", ou ignorância dos trabalhadores de saúde com respeito ao uso de computadores. Se os usuários de um sistema sentem que ele será de utilidade ou benefício, ele será usado. Se não, independentemente de seu valor, provavelmente ele será rejeitado.Felizmente, já existem atualmente muitos sistemas que conseguiram ser aceitos na prática clínica. Colocamos na Internet um "site" que contém uma lista e breve descrição de sistemas nessa situação. Muitos desses sistemas representam uma contribuição pequena, mas positiva à assistência médica. Nas próximas seções examinaremos alguns exemplos de sucesso de sistemas clínicos baseados no conhecimento, com o objetivo de entender as razões de seu sucesso e o papel que eles podem ter. EndereçosCoiera, E. - Guide to Medical Informatics, Internet and Telemedicine. http://www.coiera.com Artificial Intelligence in Medicine: http://www.coiera.com/aimd.htm DXplain: http://www.lcs.mgh.harvard.edu/ |
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O AutorEnrico W. Coiera, médico australiano especializado em Informática Médica, que atualmente trabalha na Inglaterra, na empresa Hewlett-Packard. Autor do livro "Guide to Medical Informatics, Internet and Telemedicine". Email: ewc@pobox.com |
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