Existem algumas perguntas importantes que temos que fazer ao explorarmos o conteúdo de saúde na Internet. Elas são confiáveis? Tem qualidade? Os sites de saúde têm uma postura ética em relação à confidencialidade dos dados de quem os consulta? Eles respeitam princípios éticos fundamentais ao disponibilizarem informações e serviços através da rede.
Infelizmente, a grande rede, apesar de toda sua utilidade, está adquirindo a fama de ser um repositório sem muito controle de qualidade. Ao se fazer uma pesquisa por palavras em um mecanismo de busca qualquer, a lista resultante pode conter de tudo, desde um artigo científico escrito pela maior e mais respeitada autoridade médica naquele assunto, até receitas esotéricas de medicamentos que se pode comprar livremente pela Internet, ou fraudes inqualificáveis. Erros grosseiros e perigosos estão espalhados por toda a Internet, e se multiplicam com uma velocidade espantosa. O pior é que na área da saúde, como dificilmente o usuário comum entende do assunto como um especialista, ele não tem elementos para separar o joio do trigo. A escolha é difícil.
Uma caracteristica fundamental da Internet é que ela foi desenvolvida tecnologicamente pelo meio acadêmico, para servir de meio rápido e desimpedido de comunicação entre pesquisadores. Portanto, a concepção do sistema nunca contemplou em seu início qualquer mecanismo de limitação de publicação, verificação ou atribuição de indicadores de qualidade. Um sistema com essas características já existia há muito tempo, e funciona bem, que é o das publicações científicas impressas, e portanto os pesquisadores que criaram a Internet não viam razão para duplicá-la no mundo eletrônico. No mundo real das revistas e jornais médicos impressos, é muito difícil uma pessoa qualquer ter acesso como autor a uma publicação de boa qualidade. Precisa passar por um rigoroso sistema de triagem, em que outros médicos e cientistas eminentes examinam o trabalho e decidem se ele tem qualidade para ser publicado. Quanto maior essa qualidade, aliás, maior a taxa de rejeição de artigos.
Quando a Internet foi criada, pouca gente sequer sonhava que ela se transformaria em uma gigantesca rede comercial, com todo tipo de informação e serviço. Outra característica importante da Internet é a facilidade de se publicar informação de forma totalmente distribuída, ou seja, não localizada em um servidor central, mas em milhões de computadores espalhados pelo mundo, e ligados à Internet. Finalmente, outra facilidade muito grande, proporcionada pela Web e pelos serviços de hospedagem gratuita de sites, é a autopublicação. Para essa, não existe (e nunca vai existir) um sistema de controle de qualidade como o das publicações científicas.
A Internet permite que isso seja feito com um custo minimo, por qualquer um, e a disponibilização é instantânea e universal, independente da grandeza do investimento feito, graças à existência dos mecanismos de busca, que indexam cada uma das palavras existentes nos mais de um bilhão e meio de documentos disponíveis atualmente (abril de 2002) na Web.
Para agravar o problema, a esmagadora maioria dos usuários, principalmente o público leigo, é incapaz de avaliar a qualidade de um site, e de verificar se a informação transmitida é certa ou errada, cientificamente verdadeira ou fraudulenta. A venda de medicamentos sem receita, a prestação de serviços médicos a distância e as ameaças à confidencialidade dos dados médicos individuais, quando colocados na Internet, são outras preocupações dos profissionais e pesquisadores engajados no tema.
Os órgãos que regulamentam a ética médica, como o Conselho Federal de Medicina, o Ministério da Saúde, a Associação Médica Brasileira, estão preocupados, e já começaram a agir no sentido de tentar regulamentar essa verdadeira selva. Recentemente, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (CREMESP) elaborou um Manual de Ética voltado especificamente para sites de saúde. Este foi o primeiro documento oficial que procura tratar de frente os problemas criados pela tecnologia (veja as referências ao final).
Afastada a possibilidade de censura prévia ou a posteriori (que parece ser aceita pelos usuários da Internet em campos extremamente restritos, como a pornografia infantil), o controle de qualidade do conteúdo médico na Internet só pode depender de mecanismos voluntários.
Existem dois tipos de abordagem:
O Internet Explorer é o software que tem o sistema mais sofisticado ou completo de filtragem de conteúdo (acesse através do menu, ítem Ferramentas/Opções da Internet/Conteúdo). Ele permite selecionar o nível RACi desejado, e escolher qual o sistema de classificação de conteúdo que será usado. Além disso, implementa o PICS.
Atualmente existem estudos para implementar o RACi e o PICS para a área da saúde, mas existem dois grandes problemas: o primeiro é definir qual será a autoridade que decidirá as notas atribuidas para cada site. Nem sempre existe concordância sobre os critérios: por exemplo, uma associação médica na área de urologia pode achar que informações sobre homeopatia são aceitáveis, mas sobre outras formas de medicina alternativa, não. O importante é que o usuário reconheça a autoridade e até a filosofia ou postura de um órgão representativo da comunidade a que pertence, pois tudo isso é muito relativo, e aceite ter o conteúdo avaliado pela mesma.
E aqui temos o segundo problema, que é o maior de todos, e que têm efetivamente impedido que os sistemas de classificação e filtragem de conteúdo funcionem em larga escala: os usuários precisam ser educados sobre a existência desses sistema, precisam aprender a como usá-los, e ter confiança neles. Isso ainda está em estágio muito primitivo, principalmente no setor saúde, mas qualquer progresso vai depender de um esforço muito grande de conscientização e educação dos usuarios, porque trata-se essencialmente de sistemas voluntários de controle.
À medida em que o comércio eletrônico explode em volume na Web, aumentam também as preocupações com a privacidade dos internautas que acessam sites de todos os tipos. Essa preocupação é particularmente séria nos sites de saúde, pois muitas vezes são coletados dados confidenciais, de natureza médica, dos pacientes. Existem sites médicos que implementam prontuários eletrônicos on-line, em que o próprio paciente ou seu médico podem digitar informações sobre doenças, medicamentos ativos, etc.
Existem também cada vez mais sites dedicados ao comércio eletrônico (e-commerce). Para efetuar o processo de venda, são naturalmente colhidos muitos dados do consumidor, inclusive cartão de crédito, o que deixa muita gente preocupada com a possibilidade desse número ser roubado ou clonado. Isso já aconteceu, não é impossível, embora seja bem difícil. Mas isso não é o pior. Atualmente existem também tecnologias que podem montar automaticamente um perfil altamente detalhado dos interesses de uma pessoa, enquanto ela navega. Conhecendo o perfil, o sistema pode escolher colocar dinamicamente na página que ele está visitando um anúncio de maior interesse para ele. Por exemplo, se a empresa sabe que o usuário costuma visitar artigos sobre tratamento de asma, a próxima vez que ele entrar em um desses sites, irá visualizar um anúncio de um novo medicamento para asma, provocando, então (segundo a teoria), um maior desejo de clicar nesse anúncio. Agora, imaginem o perigo para a saúde dos cidadãos se isso é mal utilizado. Pode, inclusive, levar a uma maior automedicação.
A Internet permite novas e criativas formas de propaganda, mas é necessário alguma restrição de natureza ética, aliada ao bom senso, para que os usuários não tenham a sua privacidade totalmente escancarada, Na área da saúde, isso é o óbvio, e o Ministério da Saúde precisa se preocupar com isso, sabendo como punir os casos flagrantes de abuso. A ausência de diretivas morais e legais é rampante entre os sites de comércio eletrônico. Um levantamento recente feito pela Federal Trade Commission, órgão do governo americano que regulamenta as atividades comerciais naquele pais, descobriu que apenas 8% dos sites de comércio eletrônico têm um "selo de privacidade", ou seja, alguma política, claramente visível, de que os usuários daquele site têm garantia de privacidade. A FTC deseja que os sites tenham quatro normas básicas: aviso, escolha, acesso e segurança. Em outras palavras, o site deve avisar claramente ao usuário qual informação está sendo coletada sobre ele, e como é usada; dar opção para que ele escolha como a informação será usada, dar acesso às informações já coletadas sobre ele, para fins de verificação, correção e apagamento, e tomar as medidas necessárias para proteger os dados de acesso por terceiros. No levantamento realizado nos EUA, apenas 20% dos sites de comércio eletrônico com mais de 40 mil visitantes por dia tinham implementando essas quatro políticas de privacidade.
É indubitável que as atividades comerciais na Internet não devem ficar imunes à legislação de proteção do consumidor, em geral, e que novas leis de proteção da privacidade no novo ambiente virtual devem ser estudadas e editadas pelo governo. No Brasil, essa discussão ainda está extremamente atrasada. Se não fosse a regulamentação governamental, estaríamos completamente desprotegidos perante a ganância e a irresponsabilidade das empresas em coisas que vão desde a qualidade sanitária da carne e dos medicamentos, até a proteção dos recursos naturais.
Evidentemente, os problemas de confidencialidade e privacidade criados pela tecnologia devem ser resolvidos por ela mesmo. Assim, felizmente temos mecanismos protetores embutidos na Web, como a criptografia (codificação das mensagens e dos bancos de dados, que tornam praticamente impossivel o acesso não autorizado por quem não tem a chave de decodificação). Como você pode saber se um site é seguro? Simples: olhe no canto direito da tela, e verá o ícone de um cadeado fechado. Isso significa que a informação que você está fornecendo ou vendo está criptografada. O endereço do site geralmente começa com https:// ao invés do mais comum http://
Endereços na Internet
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Exercício 13.1Entre no site para leigos http://www.saudevidaonline.com.br/. Verifique se o site obedece aos princípios de conduta do CREMESP. Envie para o email do professor a lista de ítens que, em sua opinião, não são seguidos. Exercicio 13.2Localize no site da HON (www.hon.ch) um site estrangeiro com informações sobre câncer que tenha o selo HONCode. Resposta: American Cancer Society:
www.cancer.org Debate 13.1Procure o texto da CREMESP sobre regras éticas para sites de saúde, e compare-o com o "decálogo" da Health On the Net Foundation. O que eles têm de diferente? Você acha que alguma coisa importante foi esquecida? Coloque sua resposta no Fórum de Discussão sobre este tema no site do curso. |